Meu amigo Vitor Hugo Adami já fez uns vários cursos de dez dias de Vipassana. Ele me deu um folheto direcionado às pessoas que ainda não se inscreveram em nenhum curso. Eu sei que esse folheto é difícil de encontrar, então transcrevo aqui pros iniciantes:

"Por favor leia com cuidado antes de inscrever-se num curso: Vipassana é uma das técnicas de meditação mais antigas da India. Esteve perdida durante séculos para a humanidade e foi redescoberta por Gautama o Buda há mais de 2500 anos. Vipassana significa ver as coisas tal como são na realidade. É um processo de auto-purificação mediante a auto-observação. Começa-se observando a respiração natural para concentrar a mente e depois, com a consciência afiada, começa-se a observação da natureza mutante do corpo e da mente, e se experimentam as verdades universais da impermanência, do sofrimento e da ausência de ego. Esse é o processo de purificação: o conhecimento da verdade através  da experiência direta. Todo o caminho (Dhamma) é um remédio universal para problemas universais e não tem nada a ver com nenhuma religião organizada nem com nenhuma seita. Por isso, todo o mundo pode praticá-lo livremente em qualquer momento e lugar, sem que se produzam conflitos por motivos de raça, comunidade ou religião aos quais se pertença; é igualmente benéfico para todos os que o praticarem."

Observações pessoais: É importante a preocupação que a Fundação tem de informar os futuros alunos neste folheto. Por incrível que pareça, é muito comum encontrar pessoas que não tem a menor idéia do que seja meditação fazendo estes retiros. A desinformação gera muitas situações desagradáveis, porque não é nada fácil ficar dez dias sem falar, sentado imóvel 11 horas por dia e sujeito aos horários, regras e alimentação do centro. Os desinformados são pegos de surpresa e acabam prejudicando seu aprendizado e às vezes o aprendizado dos colegas.

Neste folheto fala-se em purificação. Eu acho esse termo ultrapassado, melhor aplicado na India antiga. O ego e os pensamentos não são impuros. São ferramentas úteis para a vida. Basta usá-las, em vez de ser usado por elas. Numa visão mais ampla, nada é impuro. Essa dicotomia prejudica meu entendimento da equanimidade. Também acho que não pode existir um "processo de purificação", porque não existe um início, um meio e um fim na auto-observação. Nós observamos e ponto. Sem uma meta de limpeza pro futuro. Não posso afirmar que hoje estou melhor do que ontem, por mais meditação que eu pratique. A mente não pára, nem o tempo, nem o mundo. Essa purificação não existe, na minha opinião.

As três verdades universais citadas no folheto (impermanência, sofrimento e ausência de ego) podem ser profundamente assimiladas em dez dias. A impermanência (anicca em pali) fica evidente no fluxo de pensamentos, sensações e emoções mutantes observados na mesma posição, no mesmo lugar e num curto período. Mas anicca também se pode constatar pela simples observação do mundo externo: as transformações são constantes. Nada no universo é estático. Quanto mais profundamente assimilarmos essa verdade, melhor surfaremos pela vida, sem resistências. Com sofrimento sim, mas sem apego a ele.

O sofrimento (dukkha em pali) é a característica da existência mais polêmica no ocidente. À primeira vista dá a sensação de que as filosofias orientais são pessimistas. Mas não existe nada mais realista do que afirmar que o sofrimento é parte integrante da vida, de todos, sem excessão. A insatisfação humana é constante. Só muda de intensidade, mas está sempre lá.

A ausência de identidade (anatta em pali), está intimamente ligada à idéia de anicca. Se "tudo muda, o tempo todo, no mundo", então nós também mudamos. Dizem que trocamos todos os átomos do nosso corpo em um ano. Podemos mudar de profissão, de estado civil, de país, de religião, alterar profundamente nossos corpos, mudar radicalmente de opinião,  ideais e até de nome. O que fica no final? Apenas uma força observadora desprovida de rótulos. Assustador, mas real.